Gostaria de pegar carona na frase polêmica da Ministra Damares de que “menino veste azul e menina veste rosa” para falar da expressão da moda idolatrada pelos conservadores: “ideologia de gênero”.

Isso porque a justificativa da Ministra para a sua frase foi que ela não deveria ser interpretada literalmente, mas apenas como uma (infeliz) metáfora para criticar o que ela chama de “ideologia de gênero”. Então vamos ver o que seria isso.

Eu nunca levei muito a sério a expressão “ideologia de gênero”, pois sempre achei ela meio que coisa de “teoria da conspiração” e sem significado lógico algum. E sempre tratei ela como “desculpa de amarelo” dos preconceituosos para poderem ter uma desculpa “bonitinha” pra continuar podendo descarregar seus preconceitos.

Mas agora que essa expressão ganhou “status ministerial” no governo Bolsonaro resolvi levá-la um pouco mais a sério e analisá-la com um pouco mais de carinho, ou pelo menos tentar. E as conclusões dessa análise é o que descreverei aqui nessa postagem.

Primeiro gostaria de analisar o significado da palavra “ideologia”. A etmologia da palavra é a descrita abaixo:

A palavra “ideologia” foi criada por Destutt de Tracy, um filósofo francês, no final do sec. XVII. O termo em francês é idéologie, porém, sua formação foi feita com duas palavras do grego antigo:IDEA, que tem o significado literal de “aparência”, mas pode ser traduzido como “protótipo ideal”, e LOGOS, que significa “estudo”. fonte

"Ideologia é um termo que possui diferentes significados e duas concepções: a neutra e a crítica. No senso comum o termo ideologia é sinônimo ao termo ideário, contendo o sentido neutro de conjunto de ideias, de pensamentos, de doutrinas ou de visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientado para suas ações sociais e, principalmente, políticas. Para autores que utilizam o termo sob uma concepção crítica, ideologia pode ser considerado um instrumento de dominação que age por meio de convencimento (persuasão ou dissuasão, mas não por meio da força física) de forma prescritiva, alienando a consciência humana." fonte

Ou seja, etimologicamente ideologia significa um conjunto de ideias particular, uma visão de mundo específica ou linha de raciocínio. E das definições acima concluímos também que ideologia tem sempre um caráter político por trás. Ela nunca se refere a algo científico, consensual, factual. Em vez disso se refere sempre a algo em debate, uma linha particular de raciocínio em meio a outros concorrentes.

E porque ideologia nunca se refere a algo científico ou consensual, mas sempre a algo ainda em debate? Porque ciência não se discute, ciência não é apenas um conjunto de ideias como qualquer outro. Ciência é algo comprovado, factual, e não aberto a achismos e opiniões particulares. É por isso que não faz muito sentido dizer que a Teoria da Gravidade é uma ideologia, ou que Teoria da Evolução é uma ideologia. São fatos científicos comprovados e não abertos a debates. Não faz muito sentido eu debater se a gravidade existe ou não, ou se a evolução ocorreu ou não, pois são debates já encerrados pelas comprovações científicas.

Feita essa introdução, o que podemos entender por “ideologia de gênero”? Ora, seria um conjunto de ideias ou linha de raciocínio de caráter político, não consensual e não científico que gira em torno do significado de gênero.

Nesse sentido as opiniões, achismos e crenças de um grupo de pessoas sobre o que eles acham ou pensam sobre gênero eu poderia dizer que é uma ideologia de gênero. Já as conclusões científicas a respeito de gênero obviamente que eu não poderia chamar isso de ideologia, mas apenas constatações científicas a respeito desse assunto não abertas a debates.

Então já que não podemos chamar de ideologia o que já é científico, que tal começar a ver o que a ciência nos diz sobre esse assunto? Bem, a ciência progrediu muito ultimamente nessa área, e hoje sabemos que a binariedade perfeita e matemática de gênero é uma mera construção sociológica e não biológica. É verdade que existem os cromossomos XY e XX, mas também existem XYX, XXY, etc. E além disso existem outros fatores como disfunções gonadais, problemas hormonais, questões epigenéticas, etc… Tudo isso interfere na sexualidade e identidade de gênero do ser humano.

Então podemos dizer cientificamente que a identidade de gênero humano sofre influências diversas: biológicas, hormonais, genéticas, epigenéticas, sociológicas.

Ok, então a ciência hoje em dia já é capaz de nos ensinar que a identidade de gênero é algo complexo e não tão preto no branco quanto se achava. Porém sabemos que ainda hoje existe a forte crença de que só existem meninos e meninas, masculino e feminino, e tudo o que foge disso seria algo artificial, uma rebeldia, um desvio de personalidade ou coisa parecida.

Obviamente temos aí um conflito de ideias: uma científica e a outra baseada em ideias pré-concebidas do que seria “a realidade ideal”. E lamento dizer que, “ideologia de gênero” seria justamente a ideia não-científica, ou seja, aquela que quer transformar as pessoas naquilo que elas deveriam ser idealmente, e não naquilo que elas sentem que são. Ou seja:

Ideologia de gênero é te obrigar a ser aquilo que você não é.

Então pra concluir: acabar ou combater a “ideologia de gênero”, senhora Ministra Damares, deveria significar justamente acabar com os preconceitos relacionados ao tema, e não alimentá-los. Eis a ironia dessa história toda!

Gostou da leitura e quer mais? Aí vão algumas sugestões:

• Minha última postagem do ano
• Ministra diz que menino veste azul e menina veste rosa
• Qual a verdadeira data de aniversário do bitcoin?
• Você sabia que o Brasil já fez um ataque aéreo com mais de 1000 mortos?
• Ceará pede socorro