Darei continuidade ao texto sobre Ted Kaczynski, o terrorista que prega o fim da sociedade industrial tecnológica. Na Parte I, falei sobre a biografia dele e parte dos pensamentos que expõe em seu manifesto intitulado A sociedade industrial e seu futuro. Agora, passarei outros pensamentos do autor e, depois, farei um breve comentário sobre o tema.
PENSAMENTO
PARTE II
Kaczynski expõe muitas questões diferentes. Seria exaustivo fazer levantamento de tudo, ainda mais nessa plataforma cuja característica é a brevidade e simplicidade. Seu manifesto discorre sobre alguns aspectos principais: a forma como a sociedade tecnológica e industrial necessita de uma expansão cada vez maior e mais complicada que diminui o poder individual sobre a própria existência; como, para alcançar seus objetivos, o sistema necessita desenvolver fortes meios de controle do comportamento humano; como a expansão desenfreada desse sistema ameaça a vida natural e nosso ecossistema; as diferenças psicológicas na vida de um homem primitivo e de um moderno; a necessidade de uma revolução (e não reforma) global arrebatadora para cessar com o sistema definitivamente; os problemas psicológicos que levam as pessoas a serem esquerdistas ou conservadoras, sendo ambos os grupos criticados pelo autor entre outros.
Uma crítica dele, ainda dentro do domínio de controle comportamental e sintomas psicológicos, e que acho interessante citar diretamente aqui é a seguinte:
"145. Imagine uma sociedade submetendo pessoas a condições que as tornam terrivelmente infelizes e que depois lhes dá drogas para retirar esta infelicidade. Ficção científica? Em certo gráu isso já está ocorrendo em nossa sociedade. É bem sabido que a taxa de pessoas clinicamente deprimidas aumentou muito nas últimas décadas. Isso se deve ao colapso no processo de afirmação pessoal, como explicamos nos parágrafos 59-76. Salvo engano, o incremento da taxa de pessoas que sofrem de depressão é certamente o resultado de ALGUMAS condições existentes na sociedade de hoje. Em vez de extirpar as condições que geram depressão, a sociedade moderna disponibiliza drogas antidepresivas. Na realidade, os antidepressivos são um meio de modificar o estado interno de um indivíduo de tal maneira que lhe permita suportar condições sociais intoleráveis. (Sim, sabemos que a depressão é com freqüência de origem puramente genética. Mas aqui nos referimos a casos em que o meio exerce um papel predominante)."
Algumas passagens suas sobre os esquerdistas:
216. Alguns esquerdistas se opõem à tecnologia apenas aparentemente, eles se opõem quando não tem acesso nem controlam a tecnologia do sistema. Na medida em que o esquerdismo domina a sociedade, o sistema tecnológico torna-se um instrumento nas mãos dos esquerdistas, eles não apenas o utilizam com entusiasmo como também promovem seu crescimento. Ao fazêlo eles repetem um padrão visto no passado. Quando os bolcheviques na Rússia ainda estavam sem o poder nas mãos, eles se opunham energicamente à censura e à polícia secreta, eles defendidam a autodeterminação para as minorias étnicas, e assim por diante; mas logo que tomaram o poder, elas impuseram uma censura ainda mais rigorosa e criaram uma polícia secreta ainda mais cruel que a dos tsares, e passaram a oprimir as minorias étnicas da mesma forma que os tsares faziam. Nos Estados Unidos, décadas atrás, quando os esquerdistas eram minoria nas universidades, os professores esquerdistas eram vigorosos defensores da liberdade acadêmica. Hoje, nas universidades onde os esquerdistas são maioria, já demonstram disposição de tolher a liberdade acadêmica de vertentes que em sua visão se afasta daquilo que julgam ser o “politicamente correto”. O mesmo vai acontecer com os esquerdistas com relação à tecnologia: no momento em que esta cair sob seu controle ela será utilizada para oprimir outras pessoas."-p.68
"219. O esquerdismo é uma força totalitária. Sempre que o esquerdismo alcança o poder tende a invadir cada canto privado e a moldar cada um na fôrma esquerdista. Em parte, isso é devido ao caráter quase religioso do esquerdismo; tudo que se contrapõe à crença esquerdista representa o Pecado. Mais importante, o esquerdismo é uma força totalitária porque o esquerdista se move pelo poder. O esquerdista procura satisfazer sua necessidade de poder através da identificação com um movimento social e tenta assumir o controle de todo o processo no intuito de atingir os objetivos do movimento. (Veja parágrafo 83). Não importa o quanto o movimento avançou na realização dos seus objetivos, o esquerdista nunca está satisfeito, porque o seu ativismo é um substituto da atividade (veja parágrafo 41). Ou seja, o que move o esquerdismo não se ater às ostensivas metas do movimento; na realidade ele é motivado pela sensação de poder que ele adquire na luta e por alcançar uma meta social."-p.69
No tocante aos conservadores, suas críticas não são tão numerosas, resumindo-se na questão de que os conservadores iludem-se ao se queixar da perda progressiva dos valores enquanto apoiam o progresso e o crescimento da economia, fatores que levariam aos resultados por eles criticados. Também os critica no tocante ao pensamento de alguns conservadores em aumentar a autonomia local das comunidades. Segundo Ted, as comunidades locais até podem conseguir autonomia, mas isso se torna cada vez menos possível por se tornarem cada vez mais complicadas e dependentes de serviços públicos, computadores, autoestradas, meios de comunicação e tudo mais que diga respeito ao sistema.
BREVE COMENTÁRIO PESSOAL
Kaczynski desenha brevemente para nós uma ontologia do homem natural; há um meio natural de o homem ser e que fora moldado pelos milênios na repetição de atividades – diretas – que lhe asseguravam a subsistência e a sequência da espécie. Esses modos-de-ser estariam gravados na nossa psique de forma instintiva, sempre reclamando seu lugar entre os nossos desejos e atividades. Pois bem, é justo mencionar que fomos criados pelo paleolítico, que nossos corpos foram moldados nesse período e pelas necessidades daquele tempo. Porém, a espiral de desenvolvimento técnico e científico fez com que mudássemos nossa forma de vida de maneira muito acelerada e em pouco tempo. Até alguns séculos atrás, ainda era possível identificar uma sequência entre o homem primitivo e o homem quase moderno no tocante à subsistência e atividades em geral; ainda era possível, partindo da lógica de Kaczynski, dar resposta aos pedidos instintivos.
O golpe fatal para o velho mundo foi a revolução industrial. O próprio autor cita que havia um grupo de sociedades bem desenvolvidas antes da revolução industrial, todas, mais ou menos, em níveis semelhantes. Eram elas a dos hindus, a dos asiáticos do leste (chineses, japoneses e coreanos), a dos árabes e a europeia. Por algum motivo ainda passível de debate, a única que se dinamizou foi a europeia, dando um passo além das demais, fazendo surgir uma revolução industrial. A partir daí, a humanidade mudou para sempre seus hábitos em direção ao desconhecido; a espiral de progresso técnico chegava naquelas curvas menores e mais avançadas, onde o movimento fica mais acelerado.
Seguindo o modelo do Unabomber, a mudança do sistema acarretaria em uma cisão fundamental entre o homem e suas atividades instintivas, o que teria como resultado final fenômenos sintomáticos como frustração, ansiedade, depressão e sentimento de inferioridade. Assim, é um tema ainda muito debatível o que é natural e o que não é natural. No entanto, não vejo como perspectiva válida a de que Ted estaria apegado a um modelo rousseniano de bom selvagem. Ao contrário dessa impressão que pode surgir da leitura de alguns trechos, ele deixa bem claro que, quando fala em natureza, ele fala na natureza também em sua brutalidade, a natureza que não tende a algo bom ou mau, mas que permanece em seu ritmo cíclico, instintivo. A natureza também é morte, dificuldade, caça, e justamente por esses atributos é que seria bela. Ela não se conforma a um modelo paradisíaco ou aos sonhos *esquerdistas * (como diz ele) de eliminar todas as desigualdades. Assim, uma crítica de Ted baseada em argumentos pautados na dificuldade de uma vida sem tecnologia não se aplicam, pois estas mesmas dificuldades já são apresentadas como pontos existencialmente positivos pelo autor; é justamente a exacerbada comodidade e esquiva do mundo brutal e instintivo o que nos jogaria em desgraça na atualidade.
Ted Kaczynski é um extremista, um tipo de fanático. Ele defende a revolução total e a derrubada do sistema. Não hesita em falar da inevitável diminuição da população global no caso de obter sucesso em seus planos. A diminuição da população seria, para ele, um desfecho positivo. Li o autor por curiosidade e fiquei surpreso em ver alguns pontos bem interessantes de natureza psicológica sobre a forma com que o sistema é estruturado. Não concordo com ele e com seus propósitos, mas para mim é fascinante pensar como essas mentes, ainda mais as dos gênios incompreendidos, funcionam e quais seriam seus planos para todos nós.
Agora, partirei para a leitura de pontos totalmente contrários ao dele, tentando compreender melhor a ideia de aceleracionismo através dos escritos de Nick Land.
REFERÊNCIAS
KACZYNSKI, Theodore J. A sociedade industrial e seu futuro. Versão online, disponível em http://www.anarquista.net.
Fonte 2
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https://www.scribd.com/doc/3844781/A-SOCIEDADE-INDUSTRIAL-E-SEU-FUTURO-Manifesto-de-Unabomber
Hi, @cheetah
Those are quotes from the book that is listed as a source in the end of the text: KACZYNSKI, Theodore J. A sociedade industrial e seu futuro.
The indicated lines are also inserted in the text with the "blockquote" code to indicate that they are quotes from the book.
A mente é um local da batalha onde pensamentos se confrontam. Dominar a si mesmo é a maior liderança.
Concordo com você!
Acho que existe bastante disso no pensamento do unabomber. Dominar a própria existência, ser o mais livre possível de amarras ao sistema.