Histórias sobre G - Capítulo IX - No divã com o Abner

Morar em um galpão convertido em casa foi uma experiência maravilhosa e dentre todos os moradores da Unit G, o Abner foi quem mais fez diferença no meu crescimento pessoal. O meu amigo americano era extremamente criativo, inteligente, exagerado e generoso. Ele é daqueles que sabe conversar sobre qualquer assunto e foi com ele que eu desabafei sobre as minhas inseguranças.
“Abner, às vezes eu acho que eu estou perdendo o meu tempo. Eu trabalho, ganho dinheiro, mas eu me sinto meio ameba, sabe, vivendo e tal, mas eu não sinto orgulho de mim,” eu afirmei.
“Qual é o seu projeto de vida? Qual é o seu sonho?” Ele me perguntou.
“Eu quero ser escritora,” eu respondi timidamente.
“Então seja. O detalhe é que você vai ter que estudar muito, ler muito e escrever muito. Para viver como escritora, você precisa trabalhar duas vezes mais que num escritório. Ter reconhecimento artístico é muito mais difícil do que ser promovido numa empresa,” ele afirmou e me deu dicas.
“Leia livros de escritores ingleses, americanos, brasileiros, de todas as nacionalidades. Aprenda a linguagem mundial.”
Eu me acomodei no sofá e ele continuou. “Escreva sobre o que você acredita, não copie estilos, crie o seu,” ele fez uma pausa. “Você tem que ser a melhor, mas a melhor para você.”
“Você acha que eu tenho alguma chance?” Eu perguntei duvidando do meu talento.

“Todo mundo tem, só que as pessoas desistem porque o processo é longo. O primeiro livro que você publicar vai ser a sua maior lição, sabe por que?”
“Não…”
“Você vai perceber que é possível tornar um sonho em realidade. Publicar um livro não é difícil, mas a pergunta é: você está disposta a se sacrificar? A ficar em casa escrevendo enquanto seus amigos estão no bar se divertindo?”
“É…parece difícil…,” eu respondi rindo, afinal eu adorava um evento social.
“A tarefa mais difícil é focar,” ele afirmou e me deu outra dica. “Comece devagar e tenha metas diárias. Escreva quinze minutos por dia, mas só levante a bunda da cadeira quando cumprir a sua meta. Quanto mais você escrever, mais uma página estará pronta, até o momento em que a última palavra será: fim,” ele afirmou e contou um pouco sobre a própria experiência como pintor.
“Eu dedico o meu tempo pintando porque eu gosto e eu acredito em mim. Todo dia eu acordo, tomo café, vou para o meu estúdio e pinto por 8, 9, 10 horas. Eu passo oito meses pintando o mesmo quadro. Aí tem gente que vê um quadro pronto e acha que foi fácil, acha que o preço do quadro é caro. Quem não aceita o meu preço, não merece ter um trabalho meu pendurado na parade,” ele disse.
Conversar com o Abner fazia eu me sentir numa palestra motivacional e ele me encorajava.
“Escrever um livro é um longo processo. Se forem necessários dez anos para você publicar um livro, que leve dez anos, mas publique.”
“Você está certo Abner, mas às vezes parece que eu estou tão distante de conquistar algo. Eu me sinto tão amadora,” eu me menosprezava.
“Marcelli, todo mundo é amador até o momento em que decide praticar. Se você perguntasse ao Albert Einstein qual é a melhor receita de bolo de chocolate, provavelmente ele não saberia a resposta porque ele não tinha experiência nesse assunto. Ele era um amador em fazer bolos. Já a sua avó ficaria horas explicando detalhe por detalhe, porque ela passou a vida assando bolos. Ela pesquisou receitas, testou, errou, tentou de novo.”
Eu ria do exemplo do Abner, mas em linhas didáticas fazia muito sentido.
“Você se tornará especialista no que gosta de fazer se praticar, estudar e aprender com os erros durante o processo,” o americano afirmou.
“Você está certo Abner, eu vou continuar escrevendo o livro sobre a Unit G, mesmo achando que algumas histórias são chatas,” eu disse.
“Escreva livremente, mas edite com um olhar crítico. Se você, que é a autora, acha um capítulo chato, o leitor vai dormir no seu livro ou desistir da leitura logo nas primeiras páginas.”
“É verdade, mas você não acha que mesmo editando pode ter gente que não goste de nada do que eu escrevo?” Eu quis saber.
“Marcelli, se escrever te deixa feliz, isso é o que basta. Agora, vai para o seu estúdio e só volte aqui quando tiver terminado um capítulo,” ele ordenou e eu fui.
Naquele dia, o Abner plantou uma semente criativa em mim e desde então, eu nunca mais parei.

*baseado em fatos reais